DUAS MULHERES, TEREZA E PAULA

 

Foto: Passarinho/Pref.Olinda

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Tereza Costa Rêgo

 

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Paula Rego

Duas mulheres, Tereza e Paula. Um mesmo sobrenome: Rego. Um mesmo ofício: artista plástica. Quase a mesma idade, Paula tem hoje 75 anos, Tereza 80 anos. Um oceano separa as duas: o Atlântico. Paula é portuguesa e mora em Londres. Tereza é pernambucana e mora em Olinda. Paula casou com um artista inglês, Vic Willing e hoje é viúva. Tereza casou, teve duas filhas e abandonou o casamento para viver uma história de amor com um revolucionário, Diógenes Arruda, hoje é viúva.

Não sei se as duas se conhecem, isto é, pelo menos a obra de cada uma. Porém desde o dia que vi uma exposição de Paula Rego em Portugal não consigo deixar de aproximá-las.

As mulheres retratadas tanto por Paula quanto por Tereza são muito próximas, tanto na técnica da pintura quanto na representação. São mulheres na condição de submissas no contexto social, político, sexual ou afetivo.

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Em um dos quadros de Paula Rego, ela retrata uma mulher de joelhos e começando a se despir, como um ato religioso, sacro, um devotamento.

 

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Já nesse quadro há uma cena íntima, familiar, uma menina e uma criada ( ou a mãe) ajuda este homem ( ou pai ) a se vestir, enquanto a outra menina observa. A centralidade da cena, é do homem ( o pai) todas as mulheres estão ao seu redor, cuidando dele.

 

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Aqui uma jovem lustra uma bota masculina. Uma bota de alguém muito próximo, o pai. É como se fosse uma tarefa a ser realizada entre outras das “obrigações” femininas.

Porém a artista Paula Rego esgarça essa condição de submissão através do corpo. É como se ela usasse o corpo como instrumento de luta, de sinalização de sua revolta. Assim ela cria mulheres fortes, musculosas, quase masculinas, longe do padrão de fragilidade, feminilidade ou sensualidade.

 

 

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Nesse outro quadro, por exemplo, o que vemos é uma senhora sentada em seu quarto e a criada a cuidar de seus cabelos. Ela tem bigode e um corte de cabelo bem masculino contrastando com um corpo de senhora. Outra criada tenta levantar uma jovem da cadeira. Há também um estranho porco nos aposentos. A presença masculina é exposta através do roupão pendurado atrás da porta. Esse é um hábito bem antigo, que encontramos aqui no sertão do nordeste, isto é, pendurar roupas de uso diário atrás de uma porta. Como naquela época havia apenas um banheiro na casa, a porta do quarto era usada para pendurar a toalha, roupão ou roupa de usar em casa.

 

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As mulheres de Paula Rego tem sempre pernas muito grossas e braços fortes, lembrando estivadores. Como se a artista quisesse vesti-las para uma luta de igual para igual com os homens, pelo embate do corpo.

 

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Por exemplo, suas bailarinas têm corpos pesados, não há lirismo, leveza, nem música. Elas estão apenas vestidas de bailarinas, porém parecem estar dispostas a uma outra tarefa. Há também certa solidão na postura delas. E estão sempre em repouso.

 

 

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Na obra de Paula Rego me parece que há sempre uma luta silenciosa das mulheres com seus inimigos, sejam maridos, amantes ou algoz. Elas estão sempre sujeitas ao domínio masculino. E é nesse ponto que se assemelha com as mulheres de Tereza Costa Rego.

 

 

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Nesse outro quadro de Paula Rego a mulher estar batendo no chão com fúria e ira, parecendo acuada ou sem saída. Um momento de soltar as feras.

 

 

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Já nesse outro quadro nos passa o sentimento de profunda solidão, uma mulher com dor após um aborto e onde não há ninguém ao seu lado.

 

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Encontrei em um site na internet um depoimento de Paula Rego onde ela declara:

” Pinto para dar uma face ao medo”.

Me parece que o medo de Paula Rego é o outro, é o que estar muito próximo, muito íntimo, o medo da opressão masculina. Esse medo estar nos olhos de suas mulheres submissas, sem saída, acuadas no próprio papel de mulher na sociedade machista.

Um medo que também pode vir das narrativas míticas, por exemplo: o mito do Barba-azul. Como argumenta Clarisse P. Estés:”… o homem sinistro que habita a psique de todas as mulheres, o predador inato”.

Grande parte da obra de Paula Rego é inspirada em narrativas literárias, principalmente histórias infantis. Delacroix considerava os textos narrativos como estimulantes naturais da imaginação plástica.

 

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Tereza Costa Rêgo provavelmente também trilhou a literatura e a antropologia de Gilberto Freire como fonte de inspiração. Porém foi no seu próprio cotidiano de mulher numa família de irmãos que naturalmente freqüentavam bordeis que Tereza se inspirou.

 

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As moças de família não mantinham relações sexuais com os seus pretendentes, só após o casamento. Assim, os homens solteiros e casados freqüentavam os bordeis com bastante freqüência e se criou no imaginário feminino, o proibido, o local exclusivamente para os homens.

 

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As mulheres de Tereza estão nos bordeis de antigamente, languidamente expostas. Tem corpos femininos, prontas para saciar os desejos dos homens, entregues de forma sensual e melancólica.

 

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Na mesma posição das mulheres de Paula Rego em seus casamentos impostos, arranjados. São essas as mulheres retratadas por Tereza Costa Rego e Paula Rego.

A plasticidade da obra das duas tem muita semelhança. É uma pintura de cores vibrantes, de uma estética tradicional na forma e nas cores. A realidade é o ponto central e o corpo feminino um tema constante e definidor. São corpos que expõem suas feridas psíquicas, suas angústias, dores, opressões, lutas silenciosas, solidão e desamparo.

Paula Rego, Tereza Costa Rêgo, duas mulheres, cúmplice da alma feminina.

2 pensamentos sobre “DUAS MULHERES, TEREZA E PAULA

  1. Muito bom! Não conhecia a obra destas maravilhosas artistas e descobri por acidente. Tem tudo a ver com a pesquisa visual de um espetáculo de teatro que estou dirigindo! Este Blog contribui muito para que eu tivesse esse primeiro contato com as artistas! Muito bom! Parabéns!

  2. Muito bom, mas peca pelas imagens em baixa resolução, quem gosta de arte, quer ver, aprender, se inspirar com outros artistas. Se tiverem o conteúdo destas imagens em bom tamanho gostaria muito de poder compartilhar.

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